20 de dez. de 2010

A orientação que salva


É crítica a situação da ampla maioria das farmácias que integram a Rede SUS (Sistema Único de Saúde). São como um navio sem capitão, entregues à própria sorte. Setenta por cento delas tem como responsáveis, não o farmacêutico, mas pessoas leigas em medicamentos. Nessas condições, essas farmácias estão inferiorizadas, transformadas em meros pontos de entrega de produtos farmacêuticos a pacientes quando, em verdade, tem o nobre papel de ser um espaço para a promoção da saúde, para a orientação sobre o uso correto e racional de medicamentos, do acompanhamento farmacoterapêutico e de educação sanitária, o que só é possível, se estiverem sob a responsabilidade do profissional do medicamento: o farmacêutico.

Há mais de dez anos, venho alertando as autoridades sanitárias para os impactos negativos causados pela má destinação das farmácias do SUS, devido ao fato de não estarem sob a responsabilidade técnica do farmacêutico. Nas farmácias hospitalares, o farmacêutico recebe a prescrição, analisa-a, dispensa o medicamento e faz o acompanhamento farmacoterapêutico. A dispensação é um ato cercado de cuidados científicos e técnicos, que traz vantagens para o paciente e para o Sistema.

O número de relatos e denúncias sobre problemas relacionados à ausência de farmacêuticos é grande. Agora mesmo, o Brasil acompanha, penalizado, o caso da menina Stephanie, que morreu, na madrugada do dia 04.12.10, ao receber uma aplicação na veia de 50 ml de vaselina líquida. Erros dessa natureza poderiam ser evitados, se os estabelecimentos mantivessem farmacêuticos, em suas farmácias, para dispensar o medicamento.

Uma farmácia sem farmacêutico representa um perigo para a população, porque expõe os usuários de medicamentos a situações de risco. Isso, porque os usuários ficam privados da dispensação, da orientação, entre outros serviços profissionais. As ações farmacêuticas contribuem para o sucesso da terapia prescrita pelo médico. Quando se trata de medicamentos, todo cuidado é pouco, pois o que o separa de um tóxico letal é a dose e a orientação (ou falta desta) sobre o seu uso.

Eis um produto que só adquire o seu real sentido – o de medicamento -, quando o seu uso é devidamente orientado pelo farmacêutico. Privar o paciente de ter acesso à orientação gera insegurança, tornando o uso suscetível a problemas, como reações indesejáveis, efeitos colaterais, interações medicamentosas, intoxicações e não adesão do paciente ao tratamento, fatos que podem resultar no seu retorno ao SUS, em geral, com o quadro de saúde mais grave e com custos sociais e financeiros mais elevados.

A não adesão contribui para a recidiva ou reaparecimento de doenças. Também, torna prematuro o aparecimento de suas complicações. A médica endocrinologista Denise Reis Franco (SP), Coordenadora do Programa de Educação da ADJ (Associação de Diabetes Juvenil), informou-me que 47% das pessoas diabéticas interrompem o tratamento na primeira caixa do medicamento, descontinuando (ou não aderindo) a terapia. O que falta? Orientação farmacêutica. Educação.

E o Ministério da Saúde sabe disso. Tanto que criou, em parceria com a ADJ, o Conselho Federal de Farmácia e outras entidades de saúde, um curso para qualificar farmacêuticos que atuam em farmácias comunitárias (comerciais), para que prestem serviços de educação em diabetes.

Estima-se que, nos países de Primeiro Mundo, gasta-se menos de 10% com medicamentos, enquanto, nos de Terceiro Mundo, os gastos chegam a 40% das verbas destinadas à saúde pública. E pode estar no desperdício uma grande fatia desse gasto excessivo. Parte do desperdício vem exatamente da falta de gestão qualificada em medicamentos e da falta da informação adequada aos pacientes. Esta leva ao insucesso terapêutico, à não adesão ao tratamento prescrito.

O desperdício é um problema aflitivo. Ele corrói o caixa do SUS e faz com que faltem produtos para quem deles necessita. O desperdício é fruto de um feixe de erros, que começa na aquisição de medicamentos sem critérios técnicos e científicos. Sem respaldo científico, os leigos que ocupam o comando das farmácias ligadas ao SUS, em vários Municípios, participam da compra de medicamentos sem a realização de um prévio mapeamento epidemiológico. Esse mapeamento, ressalto, deve contar com a participação de farmacêuticos.

Gostaria de deixar claro que os farmacêuticos são os profissionais qualificados, técnica e cientificamente, para fazer a dispensação do medicamento ao paciente. Dispensar é um conjunto de serviços executados à luz das ciências e técnicas farmacêuticas, e é exclusivo e indelegável dos farmacêuticos. Ninguém mais está qualificado, nem autorizado legalmente a dispensar medicamentos.

Bem, depois de vários documentos enviados e de apelos verbais feitos a autoridades, agora, vem a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e divulga uma pesquisa que revela que sete em cada dez responsáveis pelas farmácias do SUS não são farmacêuticos. A pesquisa diz, ainda, que a maioria (58%) dos profissionais que estão atuando nas farmácias do Sistema é da área da enfermagem.

Além de tudo o que já disse (os perigos de deixar uma farmácia nas mãos de leigos), ressalto que há uma incoerência imperdoável na conduta do Ministério da Saúde, gestor do SUS: o descumprimento da Lei 5991/73 e das normas que o próprio Órgão criou, determinando que farmácias só funcionem com a atuação do farmacêutico. Agindo assim, o Ministério faz crer que dá uma declaração de que aceita o exercício ilegal da profissão farmacêutica em seus domínios (o SUS). A orientação farmacêutica é uma ação imprescindível, porque salva vidas.

Autor: Jaldo de Souza Santos

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